A Marujada e a Estética do Imaginário - João de Jesus Paes de Loureiro

Posted by Acervo Cultural Bragança Pará on janeiro 02, 2023 | No comments

 

 "A Marujada nunca poderá ser transportada para Belém, porque apenas Bragança, somente nessa cidade, ela encontra consistência, só lá possui dimensão própria."

O Papa Bento XVI, cuja formação é de filosofia teológica, afirma, consoante publicado na revista Isto é, que a dança não constitui uma forma de atuação da liturgia da igreja. Analisando-se o ponto de vista externado pelo chefe da igreja católica, fácil chegamos à conclusão de que tal afirmação choca-se com a cultura amazônica, que é uma cultura da estética do imaginário. Se compararmos, por exemplo, a cultura amazônica com a cultura do nordeste, o imaginário deste é místico. Na cultura amazônica não tivemos a figura de um Conselheiro nem de um Padre Cícero.

A Lenda do Boto é uma lenda que impressiona os sentidos. Segundo ela, o boto pode se transformar num belo rapaz, o qual vestido de branco, de chapéu, e cheio de sensualidade, vai às festas em noite de lua cheia para namorar as moças de lugarejos ribeirinhos. A aqui a aparência da beleza é estética. A Lenda da Boiúna é o nome dado à cobra grande que devora os animais perto do rio, em pequenos vilarejos. Reunidos, os moradores, afim de constatarem a sua existência, construíram um banco, o qual, todo iluminado é numa noite escura, conseguem avistar a boiúna. Aqui sobressai a dimensão do encantamento sensível.

A mitologia, assim, é toda dominada pela dimensão estética. Na região do Pacoval, em Alenquer, comunidade remanescente de quilombo, onde acontece o ritual conhecido como a dança do Marambiré, a concentração é de negros. No culto a São Benedito, a tiara na cabeça do santo constitui um elemento estético. Em Oriximiná, há o círio fluvial noturno, no qual saem vários barcos, e milhares de velas são acesas boiando nas águas do rio Trombetas. A procissão do santo passa no meio dos barcos dispostos de cada lado, formando um imenso corredor iluminado nas águas do rio. Há uma visão deslumbrante daquele cenário.

Na Marujada de Bragança, o vestuário, todo o conjunto da indumentária, roupas, chapéus, penas, miçangas, rendas, fitas multicoloridas, é sempre uma relação estética. As palmeiras imperiais existentes à beira do rio Caeté constituim um projeto de preservação da cidade, assim como acontece em Belém com suas mangueiras. A missa, procissão, todo o ritual nela encontrado, pode ser comparado com o Marambiré, já as músicas e danças da Marujada são realizadas no barracão próprio para esse fim. A Marujada nunca poderá ser transportada para Belém, porque apenas Bragança, somente nessa cidade, ela encontra consistência, só lá possui dimensão própria.

Fazendo-se uma reflexão acerca da afirmativa da Papa Bento XVI de que a dança não faz parte da liturgia da igreja, ela se contrapões à própria igreja no que concerne à sua arquitetura: a pintura, a poesia, a música, estão ali presentes. O canto gregoriano, por exemplo, saiu da igreja já há algum tempo, já não mais se cultiva. Entretanto, há movimento atual para tentar ressuscitá-lo. Segundo o Papa, a dança não pode fazer parte da igreja porque é ligada ao corpo, nela há uma atração de corpo a corpo.  O teatro cabe na igreja: o vestuário, toda a festa de coroação do novo Papa, assim como o sepultamento de João Paulo II, tudo gerou em torno de uma celebração, treinada em todos os seus detalhes, ou seja, há toda uma encenação, todo um ritual colocado em prática, como no teatro. Mas, tem toda razão Bento XVI. A sua afirmação não constitui uma restrição à dança. O fato é que ela – a dança -  devia a atenção do ritual litúrgico da igreja. Tem uma lógica esse posicionamento, porém não se aplica à Marujada de São Benedito de Bragança, ela não é de fundo religioso. 

Autor: João de Jesus Paes de Loureiro

NOTA:

Texto publicado na da Revista Bragantina, páginas 20 a 22 em março de 2006.

Referência:

Revista Bragança: Academia Bragantina de Artes e Cultura Popular – ABACP. Bragança, Pará, Brasil – Ano IV – nº 03 – Março/2006. 

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