Tudo começou com Daniel
de La Touche, Senhor de Lavardière, em 17 de julho de 1613, conforme descreve
em seu livro “Viagem ao Norte” (1613-1614) o capuchinho francês Frei Ives
d’Evreux. O fidalgo Daniel de La Touche e comitiva foram bem recepcionados
pelos índios Caetés da nação Tupinambá. E nessa terra permaneceram um mês,
seguindo posteriormente para a aldeia Meron, de onde demandou, diretamente, à Taba-Pará.
Em plena Província do
Maranhão e Grão-Pará, a Aldeia de São João no rio Gurupi, perto de Vera Cruz,
sede da capitania fundada pelo Padre Antonio Vieira, e segundo o Padre João
Felipe Bettendorf, o primeiro superior dela foi o Padre Jácome de Carvalho.
A aldeia do Gurupi
cresceu muito com os índios Apotingas que o Padre Álvaro desceu do Piriá. Em
1661, era Capitão-Mor do Gurupi, João Herrera da Fonseca que defendeu os
jesuítas de um traiçoeiro motim.
Mudando-se a sede da
Capitania para o Caeté, a Aldeia seguiu-a. E com ela mudara-se alguns índios,
acompanhados por missionários. Mas a transferência jurídica da Aldeia data de
1672.A mudança dos jesuítas
para o Caeté fora uma exigência do donatário Manoel de Mello e moradores. E diziam
que só queriam os jesuítas. Para que os padres abandonassem a nova e grande
residência de Gurupi, donatário e moradores se comprometeram em reconstruir o
que existia em Vera Cruz. A remoção dos jesuítas para o Caeté se concretizou
depois do apoio incondicional do Governador Pero Cezar de Menezes, a pedido do
donatário. Os padres, ainda que com prejuízo, mas com benefícios da Província,
escrevem para Roma que estavam a fazer mudanças, em janeiro de 1672.
Desafiando as intempéries
da vinda hodierna, quem primeiro esteve no Caeté foi o Padre Pero Francisco
Cassali, vindo do Ceará. Mas quem os caeteenses queriam era o Padre Gonçalo de
Veras. Ao passar pelo Caeté, em 1674, Bettendorf relata, “Padre Gonçalo Veras
era Vigário de Vara para os brancos, agasalhando a comitiva com satisfação, não
faltando as danças dos moradores que à boca da noite, com violas, saudavam o
Vigário Geral. O missionário morava, por aquele tempo, em casa construída pelo
primeiro vigário, depois, mudou-se para Aldeia”.
Nos relatos do Ouvidor da
Câmara, Feliciano Ramos Nobre Mourão, 29 de março de 1764, descrever que “a
dita Vila, antigamente, sempre teve duas povoações separadas, como ainda hoje
tem em breve distância, como da Praça das Mercês a Santo Antonio dessa cidade.
Em uma povoação residiam os Europeus, e em outra os índios que pertenciam às
Missões da Companhia de Jesus”.
Nas viagens marítimas,
além do altar portátil, as embarcações missionárias condiziam campainha e
relógio de areia. Como se estivesse em residência, o religioso, como de
costume, fazia a oração e os exames, lia lição espiritual ordinária, além da
recitação da ladainha de Nossa Senhora. Para ocupar o tempo da viagem, o
missionário prendia-se na leitura de livros espirituais, muitos deles contidos
nas bibliotecas das residências missionárias. Na Aldeia os padres
tinham casas próprias, separadas das dos índios, junto à Igreja, quando
possível, cercadas, de modo que para nenhuma coisa fosse necessária sair, e
quando o fizesse, ainda que fosse à Igreja, mesmo sendo separada da casa, fazia
acompanhados de uma outra pessoa.
Na visita de Padre
Antonio Vieira ao caeté, como era de costume, “aconteceram renovações de votos
dos padres que se encontravam na Aldeia, ouvindo as leituras das regras,
preceitos e ordens de Roma, e propunha, fazer as penitências de devoção, e
quaisquer outras”.
A vida clausura era
respeitada tão logo acabasse “os ofícios divinos, fechado com as horas de Ave
Maria. À noite, se houvesse necessidade de abrir uma das portas, o missionário
seria acompanhado por um outro sacerdote ao menos esteja o Superior à vista,
enquanto o companheiro abre e fecha”.
Na aldeia os jesuítas
introduziram as confrarias do Santíssimo-que propunha assistir e administrar o
sacramento e da Santa Unção, que pertencia todas as festas de Cristo, das
Almas, com o cuidado de enterrar cristãmente os mortos e das outras obras de
misericórdia; e a do Orago da Igreja que pertenciam às festas de Senhora e dos
Santos”. Foram os jesuítas que
introduziram a devoção à Nossa Senhora do Rosário em Sousa do Caeté, tanto que
em relatos do Ouvidor Geral Feliciano Ramos, este solicita à Província, “a
necessidade que na dita vila se construa uma igreja a Nossa Senhora do Rosário
na povoação dos Ilhéus, porque a tem, se acha na ruína”.
Na Aldeia, às
proximidades do rio Caeté, fora construída uma “igreja espaçosa, cujo Orago era
São João Batista. Nos altares colaterais encontravam-se o Senhor Jesus
Crucificado, a Senhora de Nazaré, esta, provida de ornamentos”. Na quarta década do
século XX, já não existia a Igreja de São João. Deixada ao abandono, o tempo
arruinou-a, e acabou sendo demolida pelos homens, ficando a posteridade as lembranças
nas poesias e crônicas de Rodrigues Pinagé.
A convivência entre
nativos e senhores, na Aldeia, nem sempre era às mil maravilhas. Há indícios de
que não faltavam ocorrências pesadas... No necrológico do Padre Antonio Vaz se
lê que Capitão-Mor, Amoro Cardoso, não respeita a honestidade das índias e o
Padre João Carlos Orlandini também os teve por parte do Capitão-Mor. Em resumo,
era uma questão de regime das aldeias. E choveu papelejos contra o padre,
“papéis falsíssimos”, diz o mesmo cronista. Foi preciso o Superior da Missão ameaçar
o Capitão-Mor de que tiraria o Padre da Aldeia. Mas sobre uma pandemia de
bexigas e o Padre João Carlos foi à providencia de todos. Reconhecendo seus
erros, “Capitão Mor do Caeté e moradores, descobrindo a inocência do vigário
pela disponibilidade em socorrê-los na indigência, fez com que a autoridade da
Aldeia tivesse uma radical conversão, tendo em Padre João Carlos um homem de
Deus, sem distinção de classe, seja ele branco ou indígena”.
A população da Aldeia
Caeté, em 1730, era de 490 indígenas, sendo (4) catecúmenos. As reviravoltas
sempre foram o pão-nosso dos missionários. Nos momentos de paz, adoração; nos
momentos de aborrecimentos, “papéis falsíssimos...”.
Nem sempre os padres
guardariam a justa medida da defesa dos índios; os colonos excediam-na, com a
desvantagem de terem a parte a parte menos simpática, como aquele Capitão-Mor
que antes das pazes com o missionário, “até fazia puxar as raparigas, em lugar
de bois, para fazer funcionar uma engenhoca de aguardente que tinha”.
Havia alguém mais
culpado: era a legislação de báscula. Legislação essa, em precisa, encarregando
os padres de tarefas odiosas junto a colonos e que, a Aldeia desse seu jeito.
Em 1751, aporta em São
Luiz, Capitão-Geral Francisco Xavier de Mendonça Furtado enviado pelo seu
irmão, Marques de Pombal.
Outras violências
insurgem na Aldeia. O Provincial da Companhia de Jesus exige do Governador da
Província providências urgentes no sentido de punir os culpados, tirando-os da
Aldeia, também, as autoridades coniventes, para que os jesuítas voltassem à
Aldeia. Com isso a capitania Souza do
Caeté, começa a experimentar a decadência e, para salva-la, Capitão-Geral
Francisco Xavier de Mendonça Furtado a visita, em 1753, transformando-a em
Vila.
Vieram as perseguições de
Marques de Pombal contra a Companhia de Jesus e no dia 18 de fevereiro de 1757,
volta a Belém o último missionário do Caeté.
Autor:
José Ribamar Gomes de Oliveira (Professor, historiador e escritor de Bragança)
E-mail: ribines51@gmail.com
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